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22 de maio de 2010

Carta aberta da sociedade civil palestina ao povo e ao Governo brasileiros



O Comitê Nacional Palestino de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BNC)* aplaude a recomendação da Comissão Parlamentar Brasileira dos Negócios Estrangeiros e Defesa Nacional de se congelar o Acordo de Comércio Livre (ACL) entre o Mercosul e o Estado de Israel até que “Israel aceite a criação de um Estado Palestino nas fronteiras de 1967”1.

Esta decisão é um ato de pressão explícito para que Israel cumpra com o direito internacional e é consistente com o respeito do governo brasileiro pelo direito internacional e a sua notável defesa dos direitos humanos universais. Esta
recomendação transmite uma mensagem clara a Israel de que há um preço para a sua contínua ocupação, colonização e políticas de apartheid contra o povo palestino.

É, contudo, com grande inquietação que recebemos a notícia do “uso antecipado de aeronaves de construção israelense pela polícia brasileira”, como parte de um acordo de US$ 350 milhões assinado entre a polícia brasileira e a Indústria Aerospacial Israelita (IAI)2. Através deste acordo, Israel fornecerá à polícia nacional do Brasil “dezenas de aeronaves não tripuladas”, além de múltiplas outras aeronaves e equipamento auxiliar.3 Esse contrato coincide com o primeiro aniversário da ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza ocupada, que matou mais de 1.400 pessoas e feriu milhares de outras, na sua maioria civis. As mesmas aeronaves que Israel está a vender ao Brasil foram largamente usadas para destruir casas, fábricas, escolas da ONU, mesquitas e infraestrutura básica palestina, causando imenso
sofrimento a 1,5 milhão de palestinos que residem em Gaza, a maior prisão ao ar livre do mundo. Como é que o Brasil, um dos principais defensores globais da primazia da lei no palco internacional, pode ignorar as conclusões e recomendações da Missão de Investigação do Juiz Richard Goldstone, que descreve os ataques de Israel como crimes de guerra?

O acordo Israel-Brasil é somente parte de uma tendência maior de vários acordos vastos de armamento com Israel, pelo que o Brasil está a tornar-se a principal porta de entrada de armamento israelense para a América Latina. A relação normalizada com Israel contradiz com os valores defendidos pelo povo brasileiro, tal como consagrados no Artigo 4º de sua Constituição Federal, em que se afirma que a política externa do país deve ser guiada pela “prevalência dos direitos humanos”, “autodeterminação dos povos”, “defesa da paz” e “solução pacífica dos conflitos”. Para além disso, esses acordos de armamento com Israel contrariam apelo da Anistia Internacional a uma proibição total do comércio de armas com Israel.4

O Brasil tem o maior orçamento de defesa da América do Sul, que chegou a quase US$ 24 bilhões
em 2009. Porquanto seja apenas uma fração daquilo que é gasto em Defesa nos EUA; na
China ou nos principais países da UE em defesa, o montante é significativamente maior do que a
despesa dos países vizinhos, sendo a Colômbia o segundo país com maior gasto militar, com um orçamento
de Defesa de US$ 7,8 bilhões em 2009.

Em 2000, foram criados laços militares amplos entre o Brasil e Israel e, um pouco depois, este último estado tornou-se importante fornecedor do exército brasileiro, com a Elbit Systems, o competidor da IAI, a liderar. O enfoque deu-se
principalmente em áreas de alta tecnologia, mas também se estendeu para pequenas armas convencionais.

Atualmente, todas as principais companhias israelenses têm as suas atenções voltadas ao Brasil como o mercado chave na América Latina. Em abril de 2009, o Brasil acolheu a Exposição da América Latina para o Aeroespaço e a Defesa (LAAD), que recebeu quatro empresas chave israelenses que fornecem e lucram com a guerra atual contra o povo palestino, incluindo a IAI.5

Esse acesso crescente ao mercado brasileiro, especialmente no comércio de armas, fornece à economia israelense uma fonte de receitas necessária, permitindo que o Estado continue a gastar em guerra e consolidando as políticas e práticas de colonização, ocupação e apartheid.

Além de fornecer ao exército israelense aeronaves militares usadas nas incursões brutais contra civis palestinos, a IAI produz novas tecnologias militares usadas na opressão contínua ao povo sob ocupação. Mais do que vantagem econômica, Israel consegue, assim, certa legitimidade para as suas políticas através da assinatura de acordos e tratados com países de estatuto global como o Brasil. Quando o Brasil compra armamento israelense, significa
que implicitamente considera Israel como um “bom” parceiro de negócios, ajudando a apagar seus crimes e violações graves do direito humanitário internacional.

Essa nova onda de comércio brasileiro com companhias de armamento israelenses é especialmente preocupante numa altura em que o Brasil tenciona tornar-se um mediador entre a Palestina e Israel. A abertura de portas ao investimento israelense no Brasil e no resto da região, especialmente com o comércio de armas, só pode ser vista pela sociedade civil palestina e pelos apoiadores de todo o mundo de uma paz justa como uma forma de cumplicidade do governo brasileiro e da elite econômica na perpetuação da ocupação, colonização e apartheid israelenses.

Essa posição claramente põe em causa alguma possibilidade de o Brasil ser aceito pelos palestinos, árabes e muitos na sociedade civil internacional como mediador na busca de uma paz justa na região, baseada no direito internacional e no direito inalienável do povo palestino à autodeterminação.

Um ano depois do ataque brutal israelense aos palestinianos de Gaza, Israel continua com o criminoso cerco à Faixa – amplamente visto como um ato de genocídio. Continua com a sua ocupação militar e a sua colonização extensa, com o objetivo de uma limpeza étnica gradual da população nativa palestina no Negev, em Jerusalém ocupada, assim como em outras partes da Cisjordânia. Continua com a construção do Muro, declarado ilegal pelo TIJ (Tribunal Internacional de
Justiça) em 2004, e a prender e a reprimir ativistas de resistência popular que lutam à luz do fracasso total da “comunidade internacional para impor o parecer consultivo, para implementar o veredito do TIJ para que o Muro seja desmantelado. Com uma impunidade sem precedentes e insistindo numa negligência total das suas obrigações sob a lei internacional, Israel tem procurado principalmente se promover, buscando recompensas de governos em todo do mundo. Apelamos ao governo e ao povo brasileiro que seu país não ofereça tais recompensas e que trabalhem incansavelmente para implementar a recomendação pela não ratificação do ALC Mercosul-Israel e mais uma vez tomem posição corajosa de responsabilizar Israel pelas suas graves violações do direito internacional:

1. Encerrando o acordo de aeronaves IAI-Brasil;
2. Abstendo-se de assinar novos acordos de armamento com Israel e eliminando gradualmente os contratos existentes feitos à luz do desprezo e descumprimento, por parte de Israel, das leis internacionais e da sua contínua opressão ao povo palestino.

*O Comitê Nacional Palestino de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BNC) é uma coligação de organizações representativas da sociedade civil palestina.


FONTE: PALESTINALIVRE.ORG

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